Educação em Tempos de Pandemia: Desafios e Oportunidades
Um Acervo de Diálogos Essenciais para o Futuro da Educação
Introdução
Em 2020, o mundo foi confrontado por um desafio sem precedentes: a pandemia de COVID-19. De um momento para o outro, rotinas foram interrompidas, incertezas se instalaram e a educação, em particular, viu-se diante de sua mais profunda crise contemporânea. Com a suspensão das aulas presenciais, escolas, professores, alunos e famílias foram lançados em um território desconhecido, repleto de desafios, mas também de oportunidades para reinvenção.
Em resposta a este momento histórico, o canal Educação e Cidadania, em uma iniciativa conjunta do Conselho Municipal de Educação de Nova Friburgo e da Secretaria Municipal de Educação, promoveu uma série de doze encontros virtuais. Conduzidas pelos professores Ricardo Lengruber e Marcelo Verly, estas lives reuniram algumas das mais importantes vozes do pensamento educacional, da saúde pública, da política e da cultura para refletir, debater e buscar caminhos.
O resultado é um valioso acervo que registra as angústias, as análises e as esperanças de um período que transformou para sempre a nossa relação com o ato de ensinar e aprender.
O Propósito da Série
Mais do que uma simples resposta emergencial, a série "Educação em Tempos de Pandemia" foi concebida como um espaço democrático de construção coletiva. Seu objetivo principal foi:
Analisar os Impactos da Crise: Compreender as múltiplas dimensões em que a pandemia afetou a comunidade escolar, desde a saúde mental até a exclusão digital.
Debater os Grandes Desafios: Enfrentar abertamente as questões mais complexas, como a imensa desigualdade social, o racismo estrutural, a precariedade da infraestrutura tecnológica e os dilemas sobre a avaliação da aprendizagem.
Identificar Oportunidades: Olhar para a crise não apenas como uma catástrofe, mas como um catalisador de mudanças necessárias, como a valorização dos professores, a inovação pedagógica e a urgência de repensar o propósito da educação no século XXI.
Construir um Diálogo Plural: Unir gestores públicos, legisladores, acadêmicos, teólogos, ativistas e, principalmente, educadores com vasta experiência de "chão de escola" para que, da diversidade de perspectivas, pudessem emergir soluções mais completas e humanas.
Temas em Destaque
Ao longo das doze conversas, um rico mosaico de temas foi explorado, oferecendo uma visão 360 graus sobre a educação na pandemia. Entre os principais pontos abordados, destacam-se:
Saúde Pública e Retorno às Aulas: A análise científica e epidemiológica que fundamentou as decisões sobre o distanciamento social e a segurança da comunidade escolar.
A Exclusão Digital: O aprofundamento do abismo social pela falta de acesso à internet e a tecnologia, e a necessidade de políticas públicas de "iluminação digital".
Valorização e Reinvenção Docente: O reconhecimento do esforço monumental dos professores e a discussão sobre o futuro da profissão, entre a precarização e a autonomia.
Políticas Públicas e Financiamento: O debate sobre a ausência de coordenação nacional, a importância do FUNDEB e a crítica à descontinuidade de projetos educacionais.
O Propósito da Escola: Reflexões filosóficas e sociológicas sobre o papel da escola: formar para o mercado de trabalho ou para a cidadania crítica e a transformação social?
Racismo, Juventude e Cultura: A voz da juventude e dos movimentos negros, discutindo o racismo estrutural, as políticas de cotas e o papel da arte como forma de resistência.
Avaliação e Inclusão: O questionamento dos métodos tradicionais de avaliação e os desafios ampliados da educação inclusiva em um cenário de ensino remoto.
Crise Ecológica e Humanismo: A conexão entre a pandemia e uma crise civilizatória maior, propondo uma educação pautada no cuidado, na empatia e em uma "democracia socioecológica".
Nossos Convidados: Uma Pluralidade de Saberes
Tivemos a honra de receber um time de especialistas que generosamente compartilharam seus conhecimentos e experiências. Conheça quem participou desta jornada:
Beatriz Abicalil: Ex-secretária de Educação e especialista em legislação educacional.
Jorge de Carvalho: Professor, escritor e ex-secretário de Educação de Nova Friburgo.
Hamilton Werneck: Pedagogo, escritor, palestrante e ex-secretário de Educação.
Conte Bittencourt: Ex-deputado estadual, ex-presidente da Comissão de Educação da ALERJ.
Ângela Fernandes: Educadora, socióloga e ex-Coordenadora Regional de Educação.
Leonardo Boff: Teólogo, filósofo e escritor de renome internacional.
Cláudia Costin: Ex-ministra, ex-secretária de Educação do Rio e Diretora do CEIPE/FGV.
Gaudêncio Frigoto: Professor Doutor em Educação, referência nos estudos sobre trabalho e educação.
Zacarias Gama: Professor Doutor em Políticas Públicas, especialista em avaliação educacional.
Ian Gabriel e José Tadeu Costa: Jovem pesquisador e professor ativista, trazendo as perspectivas da juventude e do movimento negro.
Fabiola e Humberto Delegave: Gestores da Vigilância em Saúde de Nova Friburgo.
André Lázaro: Diretor da Fundação Santillana e ex-secretário do Ministério da Educação.
Um Convite à Reflexão
As discussões aqui registradas transcendem o período agudo da pandemia. Elas representam um documento histórico e, acima de tudo, uma poderosa ferramenta de formação e reflexão para todos que se importam com o futuro da educação. As perguntas levantadas continuam urgentes e as soluções apontadas continuam inspiradoras.
Convidamos você a navegar por estes diálogos, a se aprofundar nas análises e a se juntar a nós nesta construção contínua de uma educação mais justa, inclusiva e preparada para os desafios do nosso tempo.
1. Beatriz Abicalil (Ex-secretária de Educação de Nova Friburgo, 2001-2008)
Principais Pontos: A professora Beatriz Abicalil, reconhecida por sua profunda expertise em legislação educacional, centrou sua análise na desarticulação entre os entes federados durante a crise. Ela apontou a falta de coordenação nacional como um dos principais entraves, argumentando que o Ministério da Educação (MEC) falhou em oferecer diretrizes claras, deixando estados e municípios desamparados. Com a experiência de ter sido a secretária de educação mais longeva de Nova Friburgo, ela enfatizou a importância vital do diálogo entre o Poder Executivo e o Conselho Municipal de Educação, que, segundo ela, não estava acontecendo de forma satisfatória. Abordou com grande preocupação os desafios para a educação infantil, especialmente as creches, devido à necessidade de contato físico e ao risco sanitário. Defendeu que os sistemas de ensino devem ter "coragem de ousar", aproveitando a autonomia conferida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para criar currículos e propostas pedagógicas adaptadas às suas realidades, sem depender de um comando central ausente ou ineficaz.
Diferencial: A perspectiva de uma gestora com vasto conhecimento da máquina pública e da legislação. Sua fala não se ateve a abstrações, mas apontou caminhos institucionais concretos, como a articulação entre conselho e secretaria, e a necessidade de mapear as reais necessidades das famílias para um retorno seguro e gradual, começando pelos mais vulneráveis. Ela trouxe à tona a importância da vontade política e da confiança nas equipes escolares.
Citações Significativas:
"O que eu estou percebendo é que o executivo municipal está fazendo, tomando as decisões isoladamente, sem ouvir os diversos entes envolvidos. E o Conselho Municipal de Educação, como órgão normativo e deliberativo, ele também é um órgão consultivo, deveria ser consultado."
"A crise da pandemia encontrou também uma rede escolar ainda desaparelhada do ponto de vista tecnológico (...) além de ter o grande problema que é a formação dos professores, especialmente naquilo que é o foco da tecnologia."
"A educação, por via transversa, ela consegue mudar a sociedade. Agora, tem que ter coragem de investir, unificar a estrutura da secretaria (...) para que realmente as coisas aconteçam e a educação se faça, de fato, inclusiva."
"O mais importante nesse momento é ter a vontade política de mexer na realidade e confiar naquilo que as comunidades escolares no seu conjunto têm condição de executar."
2. Jorge de Carvalho (Professor, Escritor e Ex-secretário de Educação de Nova Friburgo, 1989-1992)
Principais Pontos: O professor Jorge de Carvalho, com a perspectiva de quem foi gestor no final do século XX, trouxe uma visão humanista e focada na valorização profissional. Para ele, a "grande oportunidade" da pandemia é a sociedade finalmente reconhecer o valor do professor de sala de aula, uma vez que as famílias passaram a sentir na pele as dificuldades do processo de ensino. Ele foi enfático ao afirmar que "educação é um ato de amor" e que a tecnologia, por mais avançada que seja, jamais substituirá o "carinho do professor", elemento que ele considera insubstituível, sobretudo na alfabetização. A solução para os complexos desafios atuais, segundo ele, não virá de uma fórmula mágica, mas do diálogo permanente e da união entre secretaria, conselho, gestores escolares e professores. Criticou a falta de um comando central no MEC, o que torna ainda mais crucial a articulação local.
Diferencial: Sua fala foi marcada pela defesa apaixonada do papel humano e afetivo da educação. Contrastando com debates puramente técnicos ou políticos, ele resgatou a dimensão da relação professor-aluno como o cerne do ato educativo. Sua experiência como secretário em um período pré-tecnológico serviu como contraponto para analisar as mudanças atuais.
Citações Significativas:
"A grande oportunidade que eu vislumbro nesse momento trágico que estamos vivendo é a sociedade passar a reconhecer de uma vez por todas o valor do profissional de sala de aula."
"Não adianta eu, secretário de Educação, com a minha equipe, sentado numa sala com cafezinho, ar-condicionado, planejar aquilo que eu não estou combinando com a turma lá da frente. Porque isso é uma guerra. O pessoal que está lá na trincheira é que vai executar."
"Educação é um ato de amor. Aquele que não tem amor no coração, aquele que pensa em vingança, aquele que tem alguma coisa guardada de rancor, não vai poder administrar a educação."
"Não existe nação forte com educação fraca."
3. Hamilton Werneck (Pedagogo, Escritor e Ex-secretário de Educação de Nova Friburgo, 1997-2000)
Principais Pontos: Com a experiência de quem percorreu o "Brasil profundo" em mais de 2.300 palestras, Hamilton Werneck concentrou sua análise na gigantesca desigualdade de acesso à internet, um problema histórico que se tornou dramático na pandemia, especialmente na zona rural. Ele argumentou que a falta de uma "visão sistêmica" na administração pública agrava os problemas, citando exemplos de políticas desconectadas (como distribuir tablets sem garantir a conexão). Para ele, a crise forçou uma reinvenção profissional e demonstrou a urgência de os professores se atualizarem constantemente, tornando-se "especialistas em gente". Defendeu que a educação à distância pode ser uma ferramenta útil para recuperação de alunos e formação continuada, mas não substitui o encontro presencial, essencial para o desenvolvimento dos pilares "aprender a conviver" e "aprender a ser".
Diferencial: A ênfase na realidade da educação rural e nas disparidades regionais do Brasil. Sua fala combinou a experiência de gestão local com um conhecimento vasto das diversas realidades educacionais do país, trazendo uma crítica pragmática à falta de planejamento integrado nas políticas públicas.
Citações Significativas:
"O problema mais grave para a disseminação da educação no Brasil, e até para a formação do professor, é você estender a internet até a área rural."
"O que falta ao Brasil? Falta visão sistêmica. E, nesse ponto, o nosso secretário Verli conhece muito bem, porque fez doutorado na área de administração pública."
"Sucesso é quando duas coisas se juntam. O conhecimento que você tem e a oportunidade que surge. (...) Na pandemia, quem estava preparado a lidar com estes mecanismos, surgiu a oportunidade, tem conhecimento, estamos tendo sucesso."
"Se você tiver duas ou mais profissões, você nunca ficará desempregado. Mas se você tiver uma profissão só e ainda por cima não se atualizar, você está na alça de mira para ficar desempregado."
4. Conte Bittencourt (Ex-deputado estadual e Ex-secretário de Educação de Niterói)
Principais Pontos: Com sua vasta experiência em políticas públicas educacionais, Conte Bittencourt exaltou a reinvenção dos educadores brasileiros em tempo recorde, que transitaram de um modelo presencial para um remoto. A discussão focou no "abismo das desigualdades", especialmente a exclusão digital, que ele definiu como a mais cruel, pois impede o acesso ao conhecimento. Defendeu a necessidade de projetos de "iluminação digital" como política pública essencial e criticou a crônica falta de um projeto de educação de nação, que transcenda governos. A importância do FUNDEB como principal fonte de financiamento da educação básica foi um ponto central, com uma crítica severa à resistência do governo federal em aumentar sua contribuição.
Diferencial: A abordagem de um legislador e gestor público experiente, que conectou a crise atual a problemas históricos de financiamento, à falta de políticas de Estado (em oposição a políticas de governo) e à necessidade de infraestrutura tecnológica. Ele trouxe a visão do parlamento e das disputas políticas que moldam a educação.
Citações Significativas:
"O grande desafio que está posto na educação é o desafio de a gente transitar de uma educação básica de modelo presencial (...) para uma escola híbrida."
"Isso demonstra a criação de abismo das desigualdades, mas em uma área mais cruel ainda, porque estamos falando na área do conhecimento. É a falta de conexão, não permitindo acesso ao conhecimento. Ou seja, esse abismo fica mais alongado."
"Educação é uma política perene, que passa governos, educação é uma política que tem que ter marca de país e não marca de governo."
"Enquanto os nossos legisladores não entenderem, os nossos prefeitos, os nossos governantes, que educação é uma política perene (...) e está aí a Ângela Fernandes, que é prova disso."
5. Ângela Fernandes (Educadora, Socióloga e Ex-Coordenadora Regional de Educação)
Principais Pontos: A professora Ângela Fernandes abordou os desafios estruturais das escolas (falta de saneamento, salas inadequadas, falta de pessoal de apoio) como um impedimento real para o cumprimento de protocolos sanitários. Com uma visão histórica, lembrou a importância de políticas de Estado perenes, citando o projeto dos CIEPs como um exemplo de excelência que foi descontinuado por ser uma "política de governo". Ela foi enfática ao afirmar que a "crise na educação é um projeto" e que as conquistas sociais exigem vigilância constante. Para ela, a única solução viável para o retorno seguro e a superação da crise passa pela ação coletiva e pela união da comunidade escolar.
Diferencial: A perspectiva de uma educadora com longa trajetória na gestão local e regional, que trouxe uma memória histórica das lutas pela educação no Rio de Janeiro. Sua fala foi uma crítica contundente à descontinuidade das políticas públicas e um chamado à organização comunitária.
Citações Significativas:
"A crise na educação é um projeto. Eu acho que isso é muito importante a gente sempre lembrar que isso é um projeto, e é um projeto que, quando para a gente não está dando certo, para um grupo, era isso mesmo que queria."
"Se juntar, o bicho foge. (...) A gente tem que se juntar, gente. As comunidades têm que ser ouvidas (...) quem vai resolver, quem pode resolver, é essa unidade. Se a gente não estiver junto, embolado, nesse objetivo maior, nós vamos ser responsabilizados por muitas coisas."
"A minha geração achou que por uma política de governo se transformar numa política de Estado, estava garantida, não estão garantidas. Então, nós não podemos deixar de estarmos atentos e alertas a vida inteira."
6. Leonardo Boff (Teólogo, Filósofo e Escritor)
Principais Pontos: Leonardo Boff trouxe uma perspectiva humanista, ecológica e espiritual. Para ele, a pandemia é uma resposta da "Mãe Terra" (Gaia) à relação predatória da humanidade. A crise, portanto, é, antes de tudo, um "problema de educação" que exige um "novo começo". Este novo começo deve ser pautado não apenas na razão intelectual, mas na "razão cordial" — a do sentimento, do cuidado, da empatia e da solidariedade. Ele defendeu uma "democracia socioecológica", que inclua os direitos da natureza como cidadãos da nossa "casa comum". A esperança, para Boff, não é passiva; ela se manifesta na indignação contra o que está errado e na coragem para mudar.
Diferencial: Uma abordagem filosófica e espiritual profunda, que transcendeu o debate educacional imediato para conectá-lo a uma crise civilizatória e ecológica mais ampla. Sua fala foi um convite a repensar o propósito da existência humana no planeta.
Citações Significativas:
"Eu acho que esse coronavírus é a consequência de uma falta de educação da humanidade. Então, é um problema de educação. E, a partir de agora, a educação não poderá ser a mesma como era antes."
"Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isso requer uma mudança na mente e no coração."
"Nós não somos animais racionais, somos mamíferos racionais. Somos seres de sentimento, de coração."
"A esperança tem duas belas e formosas irmãs, que é a indignação contra tudo que é ruim que está ali. E a outra bela e formosa irmã é a coragem para mudar o que está de ruim aí em coisa boa."
7. Cláudia Costin (Ex-ministra, Ex-secretária de Educação do Rio e Diretora do CEIPE/FGV)
Principais Pontos: A professora Cláudia Costim apresentou um panorama amplo, baseado em dados, ressaltando que a crise de aprendizagem no Brasil já era grave antes da pandemia, com péssimos índices de alfabetização e desempenho em matemática. Comparando o Brasil com outros países (via dados do PISA), ela destacou nossa imensa desigualdade educacional. Discutiu as tendências globais na educação, como a personalização do ensino, o desenvolvimento de competências para o século XXI (adaptabilidade, empatia, resiliência) e o ensino híbrido. Defendeu que, apesar das limitações, a oferta de ensino remoto emergencial foi crucial para não aprofundar ainda mais a desigualdade já existente.
Diferencial: Uma análise global e baseada em dados comparativos, que contextualizou os desafios brasileiros em um cenário mais amplo e técnico. Sua fala conectou a crise pandêmica com a "crise profunda de aprendizagem" preexistente e com as demandas do "futuro do trabalho".
Citações Significativas:
"Nós temos uma crise profunda de aprendizagem que precisa ser enfrentada."
"Nós fomos o penúltimo em igualdade educacional, ou em outros termos nós somos o segundo país mais desigual do ponto de vista educacional. Isso é assustador."
"Crises também são períodos de intensa inovação e de aprendizados. (...) O que aconteceu de curioso no mundo da educação nessa crise (...) foi uma brutal aceleração da inclusão digital, tanto de professores como de alunos."
"Sonho com uma escola em que todos aprendam, em que nós possamos equilibrar excelência com equidade."
8. Gaudêncio Frigoto (Professor Doutor em Educação, UERJ)
Principais Pontos: Com uma abordagem sociológica e filosófica crítica, o professor Frigoto argumentou que a função social da escola foi historicamente reduzida de um espaço de formação para a cidadania a um mero preparador para um mercado de trabalho cada vez mais excludente. Ele foi taxativo: a "sociedade do emprego já era" e, portanto, a escola precisa resgatar seu papel clássico de formar sujeitos críticos, capazes de entender e transformar a sociedade. Criticou duramente a ideia de que o ano letivo estaria "perdido", propondo que o momento é uma oportunidade única de aprendizado sobre a vida, a sociedade e a própria pandemia. Ele concluiu que não podemos voltar ao "normal", pois "a normalidade era o problema".
Diferencial: A profundidade teórica e crítica, questionando os próprios fundamentos da relação entre educação, trabalho e capitalismo. A live propôs uma reflexão radical sobre o propósito da escola para além do pragmatismo do mercado.
Citações Significativas:
"Não podemos voltar à vida normal, porque a normalidade era o problema. Esta que é a grande questão."
"Gastemos nosso tempo como professores, como pais, como avós, como gestores, para que os jovens primeiro entendam esse momento. (...) não nos afobemos, não queiramos dizer que estamos perdendo um ano (...) porque se essa for a ideia, é porque nós não aprendemos nada com esse drama que nós vivemos."
"A sociedade do emprego, Marcelo, e colegas, a sociedade do emprego já era. Não é que o trabalho desapareça, mas a humanidade não precisa (...) muita gente para produzir."
"O professor, diz ele [Florestan Fernandes], é um bom professor quando estimula a curiosidade do seu aluno a pesquisar, a analisar, não apenas decorar."
9. Zacarias Gama (Professor Doutor em Políticas Públicas de Educação, UERJ)
Principais Pontos: O foco da discussão foi a avaliação da aprendizagem. O professor Zacarias Gama fez uma crítica aprofundada das teorias de avaliação predominantes no Brasil (de autores como Cipriano Luquezzi, Jussara Hoffmann e Philippe Perrenou), argumentando que elas precisam ser revistas por suas limitações epistemológicas. Defendeu uma avaliação de inspiração vigotskiana, que se preocupe menos em medir "o que o aluno já sabe" (seu nível real) e mais em investigar "o que o aluno pode desenvolver" (seu potencial de desenvolvimento, a zona de desenvolvimento proximal). Argumentou que a pandemia expôs a total insuficiência de uma pedagogia analógica em um mundo que exige uma pedagogia digital.
Diferencial: Uma análise técnica e altamente especializada sobre um aspecto crucial e muitas vezes negligenciado do processo pedagógico: a avaliação. A live questionou as práticas avaliativas consolidadas e propôs novos caminhos teóricos para pensar o tema.
Citações Significativas:
"A avaliação, para mim, ela é um momento muito sério (...) eu pretendo saber duas coisas na avaliação. Primeiro (...) o que o aluno já sabe. (...) o segundo momento da avaliação, eu preciso saber o que o aluno pode desenvolver, qual é o seu potencial de desenvolvimento."
"Essa pandemia instalou essa crise. Ela disse, olha, essa pedagogia não é transponível para ambientes virtuais. Não dá."
"A gente precisa evoluir e entender que o ser humano é um indivíduo para uma realização maior. Ele precisa (...) evoluir espiritualmente, não no sentido religioso da palavra."
10. Ian Gabriel (Mestrando em Comunicação) e José Tadeu Costa (Professor de Educação Física)
Principais Pontos: Esta live trouxe a perspectiva da juventude e do combate ao racismo. O professor Tadeu, com sua longa experiência em projetos sociais e no movimento negro, falou sobre a "desobediência" dos jovens de periferia como uma forma de afirmação e busca por espaço em uma sociedade que os invisibiliza. Ian Gabriel, por sua vez, explicou sua pesquisa acadêmica sobre como o rap funciona como uma contra-narrativa, expondo os traumas históricos do racismo e da escravidão e subvertendo a lógica da história contada pelos opressores. A importância das cotas raciais e das políticas de permanência para democratizar o acesso à universidade foi um tema central, defendido por ambos como uma reparação histórica necessária.
Diferencial: O foco explícito e aprofundado nas questões de raça, desigualdade e juventude. A combinação da experiência de um professor veterano, ativista e engajado, com a visão acadêmica, crítica e contemporânea de um jovem pesquisador negro foi extremamente potente.
Citações Significativas:
José Tadeu Costa: "Às vezes, as pessoas não entendem que o corpo fala milhões de coisas que a boca deseja falar e ela está sem espaço para falar ou ela está sem lugar para falar."
Ian Gabriel: "O racismo é isso, é uma forma de desumanizar, de retirar a humanidade daquelas pessoas. Então quando a gente luta por igualdade, quando a gente luta pelos nossos direitos, a gente está querendo que a gente seja incluído nessa humanidade."
Ian Gabriel: "A gente não sabe nada sobre como foi [a escravidão] e por que que era ruim, a gente não entende a gravidade que isso... a gravidade e a violência que foi, de fato."
11. Fabiola Pena (Subsecretária de Vigilância em Saúde) e Humberto Delegave (Coordenador da Vigilância Sanitária)
Principais Pontos: Esta foi a live que abriu a série com a perspectiva da saúde pública. Os convidados apresentaram o cenário epidemiológico de Nova Friburgo, explicando a "interiorização dos casos da COVID" e os níveis ainda elevados de ocupação de leitos. Baseados em dados científicos, argumentaram de forma contundente que ainda não era o momento seguro para a retomada das aulas presenciais. Um dos principais argumentos foi o risco de crianças e jovens serem "possíveis vetores assintomáticos" do vírus, levando a doença para dentro de suas casas e contaminando familiares vulneráveis. Foi ressaltada a fragilidade estrutural do sistema de saúde, em especial a alarmante carência de leitos de CTI pediátrico em todo o estado do Rio de Janeiro.
Diferencial: Foi a única live focada exclusivamente na análise sanitária e epidemiológica, fornecendo a fundamentação técnica e científica para as decisões de suspensão das atividades escolares presenciais. A discussão foi pautada pela ciência, pelos dados e pela responsabilidade coletiva, estabelecendo as premissas para os debates educacionais que se seguiram.
Citações Significativas:
Fabiola: "A gente precisa saber que a doença ainda não possui controle (...) a empatia e a responsabilidade são as palavras do momento, para que a gente possa juntos enfrentar a pandemia."
Fabiola: "Ainda não é o momento da retomada das aulas presenciais. A gente sabe de toda a questão das vulneráveis crianças (...) mas é a ciência que aponta os dados, são as evidências."
Humberto: "Hoje a gente tem dados no país, secretário, que quase 5 milhões de idosos em seus lares, pelo pelo menos uma pessoa que mora no lar está nessa faixa etária de 0 aos 17 anos. E por serem hoje possíveis vetores assintomáticos da Covid-19, por bem, a própria OMS e 177 países adotou esse critério de distanciamento social seletivo."
12. André Lázaro (Diretor da Fundação Santillana e Ex-secretário do MEC)
Principais Pontos: André Lázaro iniciou sua fala homenageando o extraordinário esforço dos professores, especialmente das mulheres, que enfrentaram uma sobrecarga de trabalho imensa durante a pandemia. Criticou a redução da educação ao mero ensino de conteúdos e a crescente negação da ciência. Sua análise centrou-se em como a escola historicamente funcionou como um "funil de exclusão", responsabilizando a criança pelo fracasso escolar. Defendeu que a educação deve ser um direito e não uma "herança de classe". O grande desafio pedagógico, para ele, é desenvolver "pedagogias para enfrentar essa brutal desigualdade" que transborda para dentro da escola. Ele concluiu afirmando que a escola pública é "a máquina que prepara democracias".
Diferencial: A ênfase na dimensão social da exclusão escolar e na necessidade de se pensar em práticas pedagógicas concretas para lidar com a desigualdade. Sua fala teve um forte tom de defesa da profissão docente e da escola pública como pilar da democracia, conectando o micro (a sala de aula) com o macro (a estrutura social).
Citações Significativas:
"A educação ficou reduzida ao ensino e o ensino a uma transmissão de conteúdo. Eu entendo as circunstâncias, acho que se fez o melhor que pôde, mas é importante lembrar, educação é mais do que ensino."
"Há um sistema de organização da desigualdade e legitimação da desigualdade que responsabiliza as crianças pelo seu chamado fracasso escolar."
"Meu pai, com os meus irmãos, dizia, meus filhos, a única coisa que eu vou deixar para vocês como herança é a educação. Essa frase, acho que todo mundo aqui já ouviu (...) E esse é um dilema, porque educação não é herança, educação é direito."
"Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara democracias, e essa máquina é a escola pública."