O Legado de Paulo Freire no Século XXI: Reflexões a partir da Pedagogia da Autonomia
Justificativa:
Em comemoração ao centenário de nascimento de Paulo Freire, este curso se propõe a revisitar o pensamento do patrono da educação brasileira a partir de sua obra-síntese, "Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa". Em um cenário de complexos desafios sociais e educacionais, a reflexão proposta por Freire sobre a ética, o compromisso e a criticidade na docência é mais atual do que nunca. O curso visa aprofundar os "saberes necessários" a uma prática educativa transformadora, que recusa a neutralidade e se posiciona como uma forma de intervenção no mundo.
Objetivos:
Analisar os conceitos centrais da "Pedagogia da Autonomia", compreendendo a educação como um ato político e ético.
Refletir criticamente sobre a própria prática docente, confrontando-a com os saberes propostos por Freire.
Desenvolver uma compreensão aprofundada da relação dialética entre docência e discência, na qual ensinar e aprender são processos indissociáveis.
Fortalecer o compromisso com uma educação humanizadora, que respeita a autonomia, a identidade cultural e os saberes dos educandos.
Conteúdo Programático:
Módulo 1: A Relação Fundante: Não há Docência sem Discência
A premissa: "Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender".
Saberes essenciais à prática: rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, ética e estética.
A importância do exemplo e da coerência: "corporeificação das palavras pelo exemplo".
A reflexão crítica sobre a prática como exigência da relação Teoria/Prática.
Módulo 2: O Ato de Ensinar: Para Além da Transferência de Conhecimento
O princípio central: "Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção".
A consciência do inacabamento como pilar da educação.
O respeito à autonomia do ser do educando como um imperativo ético.
Qualidades do educador progressista: bom senso, humildade, tolerância, alegria e esperança.
A convicção de que a mudança é possível como ponto de partida da ação político-pedagógica.
Módulo 3: Ensinar como Especificidade Humana: Intervenção no Mundo
A educação como prática política e ideológica: a impossibilidade da neutralidade.
A compreensão da educação como uma forma de intervenção no mundo.
O saber escutar como fundamento do diálogo e da comunicação.
A tensão entre liberdade e autoridade: a construção da disciplina em um ambiente democrático.
O querer bem aos educandos e à prática educativa como selo do compromisso docente.
Metodologia:
O curso será desenvolvido em formato de seminário, com encontros pautados pela leitura crítica e pelo diálogo, em consonância com a própria proposta freiriana. Serão utilizados círculos de debate para a discussão dos textos, análise de estudos de caso da prática pedagógica dos participantes e oficinas de reflexão sobre os "saberes" abordados na obra.
Público-Alvo:
Professores da educação básica e do ensino superior, coordenadores pedagógicos, diretores escolares, estudantes de licenciaturas e demais profissionais da educação interessados em aprofundar seus conhecimentos sobre o pensamento de Paulo Freire.
Obra de Referência:
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
A aula inaugural do curso sobre "Pedagogia da Autonomia", promovido pelo Conselho Municipal de Educação de Nova Friburgo em junho de 2021, foi iniciada pelo professor Ricardo Lengruber, presidente do conselho. Em sua fala de abertura, Lengruber contextualizou o evento como parte das comemorações do centenário de Paulo Freire, nascido em 1921. Ele apresentou o conselho como um órgão colegiado, ativo e com função formativa, justificando a realização do curso para dialogar com profissionais da educação e de áreas afins. A estrutura da aula foi delineada com uma exposição principal de 45 minutos, seguida por debates em salas menores e uma plenária final para interação.
Antes de apresentar a palestrante, Professora Silvana, Lengruber realizou a leitura de um parecer escrito por Rubem Alves em 1985 para a Unicamp sobre a efetivação de Paulo Freire como professor. No texto, Alves recusa-se a emitir um parecer formal, argumentando que seria "quase uma ofensa" fazê-lo para um nome de projeção mundial, cujos livros foram publicados em inúmeras línguas e cujo pensamento já era objeto de vastas bibliografias. Alves conclui que a questão não era se a universidade desejava ter Freire, mas se ele desejava trabalhar lá, afirmando que Freire "atingiu o ponto máximo que um educador pode atingir".
A professora Silvana, pedagoga e doutora em educação pelo CEFET/RJ, iniciou sua exposição compartilhando sua trajetória pessoal com a obra de Freire. Ela relatou que, paradoxalmente, não estudou o autor durante sua graduação na Unicamp, onde ele lecionou, vindo a encontrá-lo de fato ao trabalhar em um projeto social na periferia de Campinas. A experiência de ouvir um menino explicar como se fazia um cachimbo de crack, em contraste com a ineficácia de uma apresentação "bancária" sobre os males das drogas, revelou a ela a necessidade de ouvir os saberes dos educandos, o que a levou a estudar profundamente a obra freiriana.
A professora destacou a atualidade e a potência do pensamento de Freire, contextualizando sua biografia em três fases: Pernambuco, o exílio após o golpe de 1964 e seu retorno a São Paulo. Ela ressaltou sua projeção internacional, com 41 títulos de doutor honoris causa, em contraponto aos ataques e à desinformação sobre sua obra no Brasil. Um ponto central de sua fala foi a coerência entre a vida e o pensamento de Freire, exemplificada pela história de como ele abandonou a advocacia após seu primeiro caso, por se recusar a executar a penhora de bens de um dentista endividado.
Em seguida, a professora apresentou uma "tempestade de ideias" sobre os conceitos-chave de Freire, destacando:
Educação como Ato Político: Enfatizou que não existe educação neutra, sendo ela sempre um ato de transformação ou de acomodação. Citou Freire: "O que é mesmo a minha neutralidade senão a maneira cômoda e hipócrita de esconder minha opção ou meu medo de acusar a injustiça?".
A Realidade em Construção: Apresentou a ideia de que "o mundo não é, o mundo está sendo", reforçando o papel dos sujeitos na reinvenção da sociedade.
Leitura do Mundo e da Palavra: Explicou que o método de Freire une a alfabetização à problematização da realidade do educando, como ilustrado no vídeo sobre um trabalhador que, ao aprender a escrever o nome da esposa, sente um "alívio centenário".
Educação como Humanização: Abordou a vocação ontológica do ser humano para o "ser mais" e o papel da educação em promover essa superação, em oposição a modelos tecnicistas.
Diálogo e Respeito aos Saberes: Salientou a importância de respeitar o "saber de experiência feito" como ponto de partida do processo pedagógico, exemplificando com a história do diálogo entre Freire e os pescadores.
Utopia e Esperança: Argumentou que a utopia, entendida como um "inédito viável", é um elemento essencial da educação. Concluiu com um vídeo em que Freire defende a esperança e a utopia contra a "ideologia fatalista" que considera problemas como o desemprego e a fome como fatalidades, e não como injustiças a serem combatidas.
Ao final, a professora Silvana reforçou a mensagem de que a história não acabou e que os educadores são agentes potentes na sua construção, sendo o encontro uma fonte de esperança. A aula foi então encerrada para a transmissão pública, dando início aos debates nos grupos menores.
Professora Silvana Bezerra